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O e-BEF e a lógica do “fechar o circo”

O e-BEF e a lógica do “fechar o circo”

Por: José Carlos Carvalho

A Receita Federal publicou recentemente a norma que cria o Formulário Digital de Beneficiários Finais (e-BEF), apresentada como um avanço em transparência, combate ao crime organizado e alinhamento às melhores práticas internacionais.

Na prática, porém, tudo indica que estamos diante de mais um movimento típico do fisco brasileiro: ampliar o cerco sobre quem produz, trabalha, gera emprego e paga impostos — e não sobre quem realmente está à margem da lei.

O e-BEF e a lógica do “fechar o circo”

A proposta parece bonita: identificar quem realmente possui, controla e se beneficia das empresas, fundos e entidades. O discurso oficial aposta em palavras de impacto — “transparência”, “beneficiário final”, “controle efetivo” — como se o Brasil estivesse num esforço global de combater lavagem de dinheiro.

Mas quem vive o dia a dia das empresas sabe: a conta sempre chega no contribuinte de boa-fé.

  1. A falsa narrativa da “transparência internacional”

O texto oficial da Receita carrega um tom quase moralista: como se o e-BEF preenchido anualmente fosse o elemento que faltava para impedir que organizações criminosas utilizem estruturas societárias para ocultar patrimônio.

Isso não se sustenta por um motivo simples e óbvio:

Quem pratica crime não declara. Quem declara não pratica crime.

Criminosos não vão preencher e-BEF, entregar CPF, NIF, endereço, participação e assinar digitalmente sua própria autoincriminação.

Quem vai preencher? As mesmas empresas já sufocadas pelo excesso de obrigações acessórias — que, aliás, o Brasil lidera no ranking mundial.

  1. Mais uma obrigação anual, mesmo sem mudança nenhuma

O e-BEF exige:

  • Envio em até 30 dias da abertura da empresa.
  • Atualização anual obrigatória até 31/12, mesmo que nada tenha mudado.
  • Reenvio toda vez que houver alteração societária mínima.

Ou seja: uma nova obrigação que não agrega absolutamente nada para quem já cumpre todas as demais (QSA, contrato social, alterações, ECD, ECF, DCTF, dados cadastrais no CNPJ etc.).

O Brasil já possui uma das bases cadastrais mais completas do planeta.

Mesmo assim, cria-se mais um formulário, mais uma entrega, mais uma burocracia.

E, pior: com penalidades pesadas.

  1. Penalidades que mostram a verdadeira intenção

As multas deixam claro o propósito real:

  • R$ 500 por mês para empresas do Simples, imunes e isentas;
  • R$ 1.500 por mês para demais empresas;
  • R$ 100 por mês para pessoas físicas;
  • Suspensão do CNPJ, impedindo operações bancárias e financeiras.

Suspender CNPJ é, na prática, matar uma empresa. Nem o crime organizado de verdade recebe esse tratamento.

Mas uma empresa que eventualmente esqueceu de entregar uma obrigação repetitiva e redundante pode ter suas atividades inviabilizadas. Isso não é combate ao crime. Isso é reforço de arrecadação via coerção administrativa.

  1. A lógica do “fechar o circo”

O Brasil não simplifica: aprimora o controle.

Não reduz obrigações: empilha.

A cada ano:

  • surge um novo formulário,
  • uma nova exigência,
  • uma nova cruzada em nome da “transparência”.

Mas a essência é a mesma: mais ferramentas para o fisco cruzar informações e aumentar a capacidade de autuação.

A Receita Federal usa o discurso de “combater estruturas opacas utilizadas por criminosos”.

Mas nós sabemos quem vai sofrer: o empresário regular, o pequeno investidor, o fundo legítimo, a entidade que já presta contas no detalhe.

  1. O real alvo: quem trabalha

É sempre assim:

  • Os verdadeiros operadores do crime continuam fora do radar.
  • As estruturas artificiais continuam funcionando em paraísos fiscais.
  • Os “laranjas profissionais” seguem operando à margem.

Enquanto isso, o empresário brasileiro — que já lida com uma carga tributária absurda e um manicômio regulatório — ganha mais uma obrigação e mais uma penalidade para administrar.

O discurso oficial tenta pintar o e-BEF como uma evolução.

Mas, na prática, é mais uma camada de controle sobre quem já é controlado demais, uma vigilância ampliada sobre quem paga a conta.

Conclusão

O e-BEF é a face mais recente do excesso de burocracia tributária brasileira.

É apresentado como ferramenta contra o crime organizado, mas sua estrutura, sua periodicidade e suas penalidades revelam outro propósito:

ampliar o acesso da Receita Federal a dados privados para potencializar a arrecadação — sempre às custas de quem trabalha.

Enquanto isso, seguimos esperando o dia em que as autoridades vão focar em simplificar, incentivar e facilitar a vida de quem produz.

Até lá, o e-BEF é apenas mais um capítulo da velha história brasileira: o Estado aumentando o controle, e o contribuinte pagando a conta.

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