Por: José Carlos Carvalho
A Instrução Normativa RFB nº 2.295, de 3/12/2025, regulamenta, enfim, a “versão definitiva” do Programa de Conformidade Cooperativa Fiscal (Confia).
Na prática, ela tira o Confia da fase piloto e o transforma em programa permanente, com regras detalhadas de adesão, manutenção e exclusão.
Confia: cooperação ou fiscalização assistida? O que realmente muda com a IN RFB nº 2.295/2025
Por trás do discurso de “melhor relacionamento” e “cooperação”, o desenho revela algo bem claro:
- contribuinte abre a estratégia fiscal, processos internos e operações relevantes;
- Receita ganha informação antecipada, previsibilidade de arrecadação e foco cirúrgico em riscos;
- em troca, o contribuinte obtém canais privilegiados, previsibilidade maior e um regime de multas mais brando em certos cenários.
Não é um programa “ingênuo”. É um grande projeto de gestão de risco fiscal a favor do Fisco, inspirado na agenda da OCDE de conformidade cooperativa. 
A seguir, alguns pontos-chave, na visão técnica da Oliveira & Carvalho.
- De onde vem o Confia e o que a IN 2.295 faz
O Confia já vinha sendo testado desde 2021–2024, com:
- Fórum de Diálogo Confia (Portaria RFB 71/2021); 
- Teste de Procedimentos (Portaria RFB 210/2022); 
- Piloto Confia (Portaria RFB 387/2023 e posteriores). 
A IN 2.295/2025:
- padroniza o modelo (conceitos, princípios, objetivos);
- define benefícios concretos (CND/CPEND, multas, prioridade etc.);
- detalha processo de adesão, plano de trabalho e critérios de exclusão;
- encerra formalmente a “modelagem antiga”, revogando uma série de portarias e protocolos (art. 52 e 54).
- Quem, na prática, é o público-alvo
Embora a IN fale em critérios quantitativos (ativo, receita, massa salarial, representatividade na arrecadação, comércio exterior etc.), ela não crava números na própria norma – isso fica para portaria específica a cada edição (art. 7, 8 e 12).
Mas os atos e comunicados da fase piloto indicam claramente o alvo:
- empresas com receita bruta superior a R$ 2 bilhões,
- e pelo menos R$ 100 milhões em débitos declarados (não necessariamente em aberto, mas em escala relevante).
Ou seja, estamos falando de grandes grupos econômicos, com:
- governança tributária formalizada,
- estrutura de compliance e
- capacidade de dialogar tecnicamente em alto nível com a RFB.
Para médias empresas, o Confia é, por ora, um objeto de observação – não de adesão imediata.
- Benefícios relevantes (os “carrots” do programa)
A IN elenca diversos benefícios (art. 5º). Em termos práticos, para grandes contribuintes, os mais relevantes são:
- Canal privilegiado e pontos focais
- Dois Auditores-Fiscais são designados como pontos de contato da empresa (art. 5º, IV, art. 30–31).
- Isso reduz a “caixa-preta” da Receita: há alguém formalmente responsável por acompanhar o caso, organizar pautas, acelerar encaminhamentos internos.
- Análise cooperativa de questões tributárias relevantes
- Questões de grande impacto (atos, negócios ou operações com relevância fiscal – art. 2º, XIV e XV; art. 26–33) podem entrar no Plano de Trabalho Confia, com discussão estruturada antes de autuações.
- Há possibilidade de consulta formal com apoio da equipe do Confia (art. 33, §2º, III).
- Tratamento diferenciado de multas em alguns cenários
- Na confissão espontânea logo após a certificação (art. 21, §3º):
- o contribuinte tem 60 dias, contados da publicação do ADE de certificação, para confessar tributos não constituídos, pagar principal + juros sem multa de mora (art. 61) e sem multa de ofício (art. 44) da Lei 9.430/96.
- É, na prática, uma janela de autorregularização premium para quem entrar no programa.
- Nos casos tratados dentro do Confia, mas sem acordo (art. 35):
- se o crédito decorre de questão revelada voluntariamente ou requerida pela RFB dentro do Confia (art. 25, I), o lançamento de ofício não traz multa de ofício nem multa por obrigação acessória ligada à divergência; aplica-se apenas multa de mora após a constituição definitiva (art. 35, §2º, I).
- se o crédito decorre de monitoramento da RFB (art. 25, II), há redução de 20% da multa de ofício em certas condições e afastamento de majorações e representação fiscal (art. 35, §2º, II).
- Renovação cooperativa da CND/CPEND
- Regras específicas de renovação (art. 39–40), com:
- relatório de situação fiscal em data certa;
- foco apenas nas pendências apontadas naquela data;
- possibilidade de CPEND mesmo com pendências de baixo valor ou dependentes da RFB, desde que haja plano de ação.
- Prioridade nos serviços da RFB
- Prioridade em restituições, ressarcimentos, análise de benefícios fiscais, consultas e distribuição de processos nas DRJs, além de participação em testes de sistemas (art. 5º, XIII e §3º).
Resumo: o programa melhora o fluxo de comunicação e oferece almofadas relevantes de multa e de CND. Para grupos com grandes valores em jogo e portfólio complexo de teses, isso não é trivial.
- As contrapartidas (os “sticks” e riscos)
Os benefícios vêm acompanhados de exigências pesadas de governança, transparência e disciplina.
4.1. Transparência ampliada
O contribuinte Confia:
- deve revelar atos, negócios e operações com relevância fiscal – inclusive planejados – para os quais não haja posição clara da Receita (art. 25, I; art. 27, III);
- precisa detalhar o entendimento jurídico que sustenta cada posição (art. 28, III);
- submete questões ao Plano de Trabalho Confia, que será discutido e monitorado periodicamente (art. 26–33).
Na prática, isso significa abrir a “estratégia fiscal” para a fiscalização, antecipando temas que, em cenários normais, só apareceriam anos depois numa fiscalização.
4.2. Compromisso com gestão de riscos e governança tributária
Para permanecer no Confia, a empresa deve (art. 22):
- manter critérios quantitativos e qualitativos (histórico de conformidade, perfil de litígio, estrutura de governança etc.);
- capacitar equipe e refletir a governança tributária em estrutura tecnológica adequada.
Essa exigência desloca o Confia de um mero “programa de autorregularização” para um regime permanente de supervisão da governança tributária.
4.3. Confissão e vinculação
- Planos de regularização aprovados dentro do Confia (art. 34) implicam confissão irrevogável e irretratável dos créditos, nos termos do CPC (arts. 389–395).
- O diálogo gera conhecimento detalhado sobre processos e operações, que pode ser usado em lançamentos futuros (art. 35, §1º).
Ou seja, não é um ambiente “sem risco”: se não houver acordo, o lançamento de ofício virá mais instruído, apenas com um tratamento mais brando de multas em determinados casos.
4.4. Exclusão e consequências
A exclusão pode ser (art. 45):
- a pedido, ou
- de ofício, quando a empresa:
- não mantém critérios/requisitos;
- não corrige inconformidades ou falhas de governança;
- não cumpre o Plano de Trabalho;
- pratica simulação ou condutas tipificadas na Lei 4.502/64.
A exclusão gera (art. 47):
- interrupção imediata dos benefícios,
- aplicação das majorações de multa do art. 44, §§1º e 2º, Lei 9.430/96 (multa qualificada etc.).
Em outras palavras: entrar e depois “quebrar o contrato” é pior do que nunca ter entrado.
- Exemplo prático: “isca” ou oportunidade?
Imagine uma empresa com:
- receita anual > R$ 5 bilhões;
- teses relevantes em subvenções de ICMS, PIS/COFINS, JCP, preços de transferência, etc.;
- passivo contingente relevante em notas explicativas, parte ainda não fiscalizada.
Cenário fora do Confia
- As teses seguem “no escuro”.
- A RFB pode fiscalizar anos depois, com multas de ofício de até 150%, representação fiscal, discussão longa no CARF, efeito reputacional e custo elevado de litígio.
Cenário dentro do Confia
- As teses mais sensíveis precisam ser reveladas e debatidas.
- Em questões em que se chega a entendimento comum:
- é possível regularizar sem multa de ofício, em determinados momentos, com condições de parcelamento diferenciadas e sem multa de mora na janela pós-certificação (art. 21, §3º e art. 34–35).
- Em questões em que não há acordo:
- haverá lançamento de ofício, mas com:
- presunção de boa-fé,
- afastamento de majoração e de representação fiscal em alguns casos (art. 35, §1º),
- eventual redução de multa de ofício (art. 35, §2º, II).
Do ponto de vista da arrecadação federal, é claro:
- a Receita ganha visão antecipada de onde estão os grandes valores e pode converter boa parte disso em recuperação mais rápida, com menos contencioso.
- A lógica é: “me mostre onde dói, eu alivio as multas, mas não abro mão do principal”.
Do ponto de vista do contribuinte sofisticado, há uma troca:
- abre mão de parte da assimetria de informação,
- reduz risco de multas qualificadas, penal e reputacional,
- melhora previsibilidade de caixa e estabilidade perante investidores e órgãos de governança.
Se é “isca” ou “oportunidade” depende da estratégia de risco de cada grupo.
- Como a Oliveira & Carvalho enxerga o Confia
Alguns pontos da nossa leitura técnica:
- Não é programa para todo mundo
- É voltado a grandes grupos, com estrutura robusta de governança, e que enxergam valor em estabilizar a relação com a Receita a médio e longo prazo.
- É, sim, um instrumento de focalização de fiscalização e arrecadação
- A Receita passa a ter mapa detalhado dos pontos de maior risco e impacto financeiro. Isso aumenta a eficiência da fiscalização e tende a elevar a arrecadação estrutural, mesmo com multas menores.
- Não é anistia nem salvo-conduto para planejamento agressivo
- A IN é explícita ao não permitir temas que dependam de alteração legal, atos ilícitos, questionamentos de constitucionalidade, créditos já constituídos ou fatos sob fiscalização (art. 27, §1º).
- Quem entrar esperando “blindagem” para teses muito agressivas tende a se frustrar – e se expor.
- A adesão exige preparação prévia séria
Antes de cogitar entrar, recomendamos:
- Mapear todas as posições relevantes (teses em curso, potenciais riscos, valores, probabilidade de perda).
- Revisar governança tributária (processos, controles, TI, segregação de funções).
- Simular:
- quanto seria pago se determinadas teses forem ajustadas dentro do Confia;
- qual o custo provável de litígio fora do Confia (prazo, risco de multa qualificada, juros, honorários, impacto reputacional).
- Avaliar o apetite de exposição da alta administração em abrir sua estratégia fiscal para o Fisco.
- Para certos grupos, pode ser vantagem competitiva
- Empresas com estrutura de compliance muito madura e portfólio de riscos relativamente conservador podem usar o Confia para:
- reduzir volatilidade de passivos fiscais,
- reforçar narrativa de ESG e governança junto a mercado de capitais e investidores,
- destravar temas com impacto bilionário com menos custo litigioso e menos ruído reputacional.
- Checklist mínimo antes de cogitar a adesão
Sugestão objetiva para Conselhos de Administração, CFOs e áreas tributárias:
- Diagnóstico de elegibilidade
- Empresa atende aos critérios quantitativos (receita, massa salarial, representatividade) e tem escala compatível com o Confia?
- Mapa de riscos e teses sensíveis
- Lista de atos/negócios com relevância fiscal (≥ 5% da média de tributos federais dos últimos 3 anos – conceito da IN).
- Classificação por probabilidade de perda e impacto.
- Governança tributária
- Há estrutura formal de controles internos, política de riscos, comitê tributário ou equivalente?
- Sistemas conseguem suportar as demandas de informação e monitoramento contínuo?
- Estratégia de relacionamento com a Receita
- A alta administração está disposta a assumir compromisso público de cooperação, sabendo que a quebra desse compromisso é punida com exclusão e multas mais severas?
- Simulações numéricas
- Quanto a empresa ganharia em redução de multas/juros e de custo de litígio sob o Confia, versus o cenário tradicional?
A partir desse trabalho, faz sentido dizer “sim” ou “não” ao programa – e, se for “sim”, negociar internamente quais temas serão levados ao Plano de Trabalho Confia e em que ritmo.
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