
Por: Robson Neves
A reforma tributária, consolidada pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e regulamentada pela Lei Complementar nº 214/2025, redesenha profundamente a tributação sobre o consumo no Brasil. O modelo dual — Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) — traz uma base ampla de incidência e busca uniformidade entre setores.
Contudo, um ponto específico exige atenção urgente: o tratamento das operações de venda direta no setor automotivo, que historicamente contaram com regime diferenciado no PIS/Cofins.
Venda Direta no setor Automotivo: impactos da Reforma Tributária sobre PIS/Cofins e CBS/IBS
Regime atual: alíquota zero na intermediação
Atualmente, nos termos da Lei nº 10.485/2002, o setor automotivo opera sob o regime monofásico de PIS/Cofins, concentrando a tributação na indústria. Como consequência, as concessionárias são desoneradas, inclusive em receitas decorrentes de comissão pela intermediação em vendas diretas, nas quais a nota fiscal emitida não é de compra e venda, mas de intermediação/entrega.
Esse desenho regulatório garante alíquota zero de PIS/Cofins sobre tais receitas, representando uma economia expressiva e, mais importante, permitindo a preservação da estrutura de distribuição sem onerar indevidamente a margem da concessionária. A jurisprudência administrativa e a própria Receita Federal confirmaram reiteradamente a aplicação da alíquota zero para essa forma de remuneração.
Reforma: incidência ampla da CBS e IBS
A partir da implementação da CBS e do IBS, com início em 2027 e plena substituição até 2033, a lógica se altera. A LC 214/2025 estabeleceu base ampla de incidência, incluindo expressamente comissões e serviços de intermediação na tributação, salvo hipóteses específicas de regimes diferenciados.
Na lista de reduções e benefícios prevista em lei, não consta menção ao setor automotivo ou às operações de venda direta com concessionárias. Assim, salvo alteração legislativa, a remuneração das concessionárias na venda direta será tratada como prestação de serviço sujeita a CBS e IBS, cumulando-se à eventual incidência de tributos locais. O resultado é a eliminação da neutralidade conquistada ao longo de duas décadas pelo regime monofásico.
Exclusões restritas: reembolso por conta e ordem
O único ponto de alívio previsto pela própria LC 214/2025 refere-se ao art. 12, §2º, IV, que exclui da base de cálculo valores reembolsados por conta e ordem, desde que a documentação esteja em nome do terceiro. Assim, despesas logísticas ou custos de entrega podem ser afastados da base, desde que haja documentação fiscal adequada. Entretanto, essa exceção não alcança a comissão de intermediação, que permanece tributável.
Necessidade de regime específico
Diante desse cenário, é fundamental que o setor articule a inclusão de um regime diferenciado uniforme para a venda direta automotiva, garantindo que a comissão da concessionária não seja onerada indevidamente. Existem dois caminhos legislativos possíveis:
- Alíquota zero de CBS e crédito presumido de IBS sobre a comissão de intermediação, com condições claras de documentação, teto regulatório de remuneração e comprovação de operação por conta e ordem.
- Crédito presumido integral de CBS e IBS aplicável às receitas de intermediação, que geraria efeito econômico semelhante à alíquota zero, mas dentro da sistemática de créditos.
Em ambos os casos, a legislação já prevê mecanismo de neutralização via ajuste das alíquotas de referência (art. 19 da LC 214/2025), de modo que a medida não implicaria perda de arrecadação global, apenas realocação da carga.
Impactos setoriais
Sem essa calibragem, o setor automotivo enfrentará:
- Elevação dos custos de venda direta, com reflexos para consumidores e frotistas;
- Erosão da margem das concessionárias, inviabilizando parte do modelo atual de negócios;
- Risco de desintermediação, deslocando atividades e empregos da rede de distribuição autorizada para o próprio fabricante;
- Prejuízo ao consumidor, que depende da rede para serviços de garantia, recall e assistência técnica.
Conclusão
A reforma tributária inaugura um novo paradigma de incidência sobre consumo, mas sua promessa de neutralidade exige atenção a casos específicos como o da venda direta automotiva. Sem alteração legislativa, a operação perderá o benefício histórico do PIS/Cofins e passará a ser onerada pela CBS e pelo IBS.
É urgente, portanto, que o setor mobilize esforços políticos e técnicos para propor emenda à LC 214/2025, instituindo um regime diferenciado que preserve a neutralidade fiscal das concessionárias na intermediação da venda direta, assegurando estabilidade regulatória, proteção ao consumidor e manutenção da rede de distribuição.
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